quarta-feira, 11 de abril de 2012

Vida Nova - Dante Alighieri


Vita Vuova  - I

Em cada alma gentil, presa de ardor,
Que tomar ciência do dizer presente,
P’ra que me escrava parecer urgente,
Saúdo o seu senhor, isto é amor.

Eram três horas e um fatal fulgor
Havia em cada estrela resplendente,
Quando surgiu Amor subitamente,
Cuja essência lembrar me dá horror.

Alegre Amor me parecia, tendo
Meu coração; e nos seus braços ia,
Envolta, minha amada adormecendo.

Quando a acordou, do coração ardendo,
Medrosa, humildemente ela comia;
E ele chorava, desaparecendo.

Dante Alighieri

Vide Cor Meum

                  Vide Cor Meum  Veja meu coração

                 E pensando di lei  E pensando nela
    Mi sopragiunse uno soave sonno  Um doce sono me domina

                  Ego dominus tuus  Eu sou seu Mestre
                     Vide cor tuum  Veja seu coração
             E d’esto core ardendo  E este coração flamejante
                          Cor tuum  É o seu coração
                
                     Lei paventosa  Ela treme

                  Umilmente pascea  Obedientemente come
Appresso gir Io ne vedea piangento  Em prantos, vejo-o e renuncio a ele

           La letizia si convertia  A alegrigria é cervertida
              In amaríssimo pianto  Nas mais dolorosas lágrimas

                   Io sono in pace  Eu estou em paz
                          Cor meum  Meu coração
                   Io sono in pace  Eu estou em paz
                     Vide cor meum  Veja meu coração
Patrick Cassidy

sábado, 7 de abril de 2012

Frida et moi et ces gens-là, Monsieur



Ces gens-là


Pra começar, há o mais velho.
Ele, que é como um melão,
Que tem um grande nariz,
Que nem sabe mais o próprio nome, meu senhor...
De tanto que bebe,
Ou de tanto que já bebeu...
Que não faz nada com seus dez dedos.
Que nem consegue mais.

Ele, que está completamente cozido,
E que se acha um rei.
Que se embebeda toda noite
Com vinho ruim
E que é encontrado de manhã
Na igreja, cochilando,
Duro como uma ereção,
Pálido como um círio pascal.
E que depois gagueja,
Que tem um olho que divaga.

Devo dizer-lhe meu senhor
Que com aquela gente lá
Não se pensa meu senhor.

Não se pensa...
... Reza-se.

E depois há outro
Com cenouras em seu cabelo,
Que nunca viu um pente,
Que é perverso como uma micose,
Mesmo que doasse sua camisa aos pobres.
Que é casado com a Denise,
Uma garota da cidade.
Enfim, d’outra cidade.

E não é só isso.
Que faz seus pequenos negócios
Com seu chapeuzinho,
Com seu casaquinho,
Com seu carrinho.

Que tenta passar uma boa impressão
Mas não impressiona ninguém.

Não se deve pagar de rico
Quando não se tem dinheiro.

Devo dizer-lhe meu senhor,
Que com aquela gente lá
Não se vive meu senhor.

Não se vive...
... Trapaceia-se.

E depois há os outros.
A mãe, que não diz nada...
Ou, bem, nada de importante,
E vai da noite à manhã,
Com sua bela cara de santa.
E no quadro de madeira
Há o bigode do pai,
Morto em um escorregão.
E que observa seu rebanho
Comer a sopa fria
E fazerem grandes “flchss”,
E fazerem grandes “flchss”.

E depois há a velhinha
Que não para de tremer.
E eles esperam que ela morra
Já que é ela que tem grana.
E nem escutam o que essas
Pobres mãos têm pra contar.

Devo dizer-lhe meu senhor,
Que com aquela gente lá
Não se conversa meu senhor.

Não se conversa...
... Calcula-se.

E depois, e depois...

E depois há Frida
Que é bela como o sol,
E que me ama tanto
Quanto eu a amo, Frida!

Até mesmo nos dizemos
Que teremos uma casa
Com muitas janelas,
Com quase nenhuma parede.
E viveremos nela,
E será bom estar lá.

E se isso não é uma certeza,
Ao menos, é uma possibilidade,
Porque os outros não querem.
Porque os outros não querem.

Os outros, eles dizem algo como;
Que ela é bela demais para mim,
Que eu só sirvo pra matar gatos...
Eu nunca matei um gato!

Ou tenha sido há muito tempo...
Ou eu tenha esquecido...
Ou eles já não se sentiam bem...
Enfim, eles não querem.

Às vezes, quando nos vemos,
Fingindo não ser de propósito,
Com os olhos molhados,
Ela diz que irá embora,
Ela diz que me seguirá.

Então, por um instante,
Por um instante apenas meu senhor,
Por um instante apenas
Eu acredito nela.
Por um instante apenas meu senhor.
Porque daquela gente lá,
Meu senhor
Não se escapa.
Não se escapa meu senhor...
Não se escapa...,
Mas é tarde, meu senhor...
Eu preciso voltar
Para minha casa...

Jacques Brel

Tradução: TaneiGiaccvaoc 

j'ai chanté de chansons



La Fanette


Nós éramos dois amigos,
E Fanette me amava...

A praia estava deserta e dormindo em Julho
Se fossem capazes de lembrar,
Certamente que as ondas diriam
Quantas vezes por Fanette
Eu cantei.

Diriam,
Diriam que ela era bela como
Uma pérola d’água
Diriam que ela era bela
E eu não

Diriam,
Diriam que ela era morena
Como a duna era loira
E tendo uma a outra
Eu, eu teria o mundo...

Diriam,
Diriam que eu era um louco
Em acreditar naquilo
Que era tudo nosso, que ela era toda minha.

Diriam
Que não se aprende
A desconfiar de tudo!...

Nós éramos dois amigos
E Fanette me amava

A praia deserta mentia em Julho
Se fossem capazes de lembrar,
Certamente que as ondas diriam
Como para Fanette
Demoravam-se as canções...

Diriam,
Diriam que ao sair de uma onda lânguida
Os vi se afastar como dois amantes

Diriam,
Que eles riram que me viram chorar
E cantavam quando eu os amaldiçoava

Diriam,
Que nadaram tão bem e tão longe
Que nunca mais os vi...

Diriam
Que não se aprende...
Mas... Falemos de outra coisa!...

Nós éramos dois amigos
E Fanette o amava
O lugar está deserto e chora em Julho

E algumas vezes ao anoitecer
Quando as ondas se acalmam
Eu escuto uma voz:
É a Fanette...



Jacques Brel

Tradução: Renato Menezes

Κεφάλι του Θανάτου




sexta-feira, 6 de abril de 2012

Vir lutum



A fera diurna

Agora que as pupilas já tocadas
de pecado – que por quererem dela
a exata imagem, antes que a bela,
a terrível, que nisto o puro existe,
viram na fonte as águas desvendadas
não se impelirem mais que a um sono triste –
o que fora magia são corolas,
da presença da morte alucinadas
– agora, fera, em que mais te consolas?
De que disfarce íntimo se vale
a pedra contra ti? (nada resiste
à limpidez dos olhos sem amor).
Calaste o mundo e o mundo, sem que fale,
não te dará do tempo a flor da flor.

Caminhas entre o céu e o vale. E o vale
onde todo crescer obscuro e assomo
é cego caminhar às abstratas formas
da morte – ó formas exatas
e invioláveis! – fulgor que espera o pomo!
o vale é vale só e te dispensa.
Horizonte solidão, te desconhece
e anula. Estás só, homem sem gnomo!
que o resto é céu recurvo e diferença.

As sucessivas túnicas do dia
despiu, como se em pranto se negasse,
e em derredor de si rompera espelhos
deslizantes de som e cor, oh melodia
caindo sobre as flores nos vermelhos
e trágicos jardins! Mas eis que a face
da que diurna quer ser sendo noturna,
pela pureza própria corrompida,
se ergue inodora e vã – já morta nasce:
a beleza é mais frágil do que a vida.

Esperamos a morte sem defesa.
Lúcida espera, enquanto na diurna
cintilação, te esvais, cristal, estende-
se em silêncio e veludo, e se propaga
o musgo pelos muros da tristeza.
Curvam-se sobre nós astros e ramos
que esplendem. Soluçamos no que esplende:
o fruto, a rosa, a brisa que te apaga,
as árvores da música. Esperamos.

Talhados por mim mesmo no ante-sono
de mim, do barro erguera-me, escultura.
A luz de antes de ser dourava as formas
ignoradas de si, madurecia-as.
Até que enfim me soube ser o nono
Orfeu, boca madura, para as cousas
chamar pelo seu nome. Entanto, impura
boca, arvora lúcida, hoje não ousas
florir com tua voz as formas frias.
Adão, Adão, violaste a fonte pura.
Éden não houve, à margem do Pison
meditas. Estás só. Nada te esquece
que águas e nuvens passam. E a esse som,
teu coração – fruto último – emurchece.

Ferreira Gullar

Mau